RIU – Videoaulas: uma versão online das aulas expositivas? Indicações de uso e como gravar uma videoaula

 

 

Prof. Dr. Eduardo Bessa

Faculdade UnB Planaltina

Currículo Lattes

 

 

Um dos métodos mais tradicionais na oferta de uma disciplina de graduação são as aulas expositivas. Aqui, vamos discutir como produzir videoaulas, uma versão online dessas aulas expositivas, mas começarei argumentando contra elas, ao menos em termos.

Estamos em um momento de mudanças. Por que não aproveitar e romper, também, com a nossa dependência ou privilégio das aulas expositivas? A videoaula expositiva tem sido criticada como recurso pedagógico. Talvez essa seja a oportunidade para descobrirmos que a aula expositiva presencial, em alguns casos, também não é um bom recurso metodológico. Melhor ainda será se questionarmos se nosso objetivo deveria mesmo ser, meramente, transmitir informações.

O Átila Iamarino, uma figura que ganhou muita notoriedade na pandemia do COVID 19 – e com quem trabalhei no período em que éramos blogueiros -, disse uma vez que nós professores universitários nos colocamos frente aos alunos como um bebedouro no meio de um deserto de informações, quando, na verdade, deveríamos estar os ensinando a nadar nesse dilúvio.

Aulas expositivas e videoaula: quando usar?

Ainda assim, aulas expositivas e videoaulas são indicadas em várias situações, segundo o Chicago Handbook for teachers.

  • Originalidade: se o professor tem um caminho pedagógico muito específico, com uma lógica própria e diferente dos materiais didáticos já disponíveis, uma série de aulas expositivas bem organizada pode ser uma ótima saída.
  • Curadoria: se, por algum motivo, você não quiser investir tempo deixando seus alunos descobrirem informações por conta própria, você pode fazer esse trabalho de curadoria e entregar-lhes o conteúdo já selecionado em uma aula expositiva.
  • Apresentação: aulas expositivas podem ser um bom primeiro contato com um tema geral o qual, depois, será esmiuçado em aulas subsequentes, focadas em outras modalidades de aprendizado mais centrado nos alunos.
  • Aprendizado do professor: aulas expositivas são excelentes oportunidades para o professor aprender. Então, se algum conteúdo não te é tão familiar, talvez valha abordá-lo de forma expositiva.
  • Pessoalidade: acima de tudo, se você pretende apresentar sua personalidade, seus conhecimentos e a sua visão de mundo aos seus alunos, uma aula expositiva gera uma boa oportunidade para isso.

A lista sumariza bem as principais situações em que a aula expositiva e a videoaula funcionam de maneira positiva. Em outras situações, recomendo que você considere outras metodologias para dar a sua aula.

Pontos positivos das Vídeoaulas

Neste momento, espero que sua cabeça esteja cheia de contrapontos e com resistência ao uso da videoaula. Deixe-me, então, apresentar alguns pontos positivos.

  • Ninguém fica para trás. Videoaulas pré-gravadas oferecem aos alunos um novo ritmo para aprender. Elas permitem que o aluno pare o vídeo para tomar notas, volte o vídeo em pontos que não ficaram claros e repita a aula inteira na véspera da avaliação para revisar o conteúdo.
  • Você não pune bons alunos ensinando o que já sabem. Alunos mais adiantados podem pular trechos do vídeo ou aulas inteiras cujos conteúdos já conheçam. Alguns tocadores de vídeos, como o YouTube, permitem que se acelere a velocidade do vídeo (sem aquele efeito de deixar a voz mais aguda). Minha esposa, que tem usado muitas videoaulas para estudar, acha extremamente tedioso conversar comigo depois de um dia inteiro assistindo vídeos em velocidade 1,5, ou seja, 50% mais rápido do que uma fala normal.
  • Você respeita o relógio biológico e a agenda de cada um. As videoaulas podem ser assistidas no horário em que o aluno estiver mais intelectualmente ativo. Se ele acorda às 5h e é superprodutivo, pode assistir sua aula logo cedo. Se ele está alerta até depois da meia-noite, sua aula também pode ser assistida aí. Mais do que isso, o estudante pode ver sua aula quando tiver o tempo ou a atenção e a tranquilidade necessárias, otimizando melhor o seu dia.
  • Sua mensagem se propaga muito além. Dependendo de onde suas aulas ficarem disponíveis, você pode ajudar muito mais gente do que seus alunos diretos. Tem uma videoaula minha que já foi assistida pelo que corresponderia a 500 anos de trabalho na graduação em que atuo. Pense nesses pontos positivos com cuidado quando estiver avaliando o uso das videoaulas.

Vantagens da videoaula

Quando bem aplicado, o uso das videoaulas tem grande potencial em aumentar o aprendizado dos seus alunos e desenvolver seu interesse pelo tópico ensinado de forma personalizada e com horário flexível.

Lembre-se de que a videoaula, assim como qualquer metodologia que você use, deve estar alinhada com seus objetivos pedagógicos.

Uso assíncrono e offline

Outro ponto, que contrasta com o uso recorrente de reuniões com apresentação de slides via compartilhamento de tela – como muitos têm feito usando ferramentas como o Teams ou o Zoom – , é que as videoaulas pré-gravadas permitem que o aluno estude até sem uma conexão com a internet. Já passei vários vídeos de minha autoria em MP4 para pendrives e até CD-ROMs para alunos que não dispunham de internet. Há uma versão do YouTube, o YouTube Go, que permite baixar os vídeos para assistir depois e compartilhá-los por bluetooth. Nada disso é possível numa aula online em tempo real.

Como gravar suas videoaulas?

Um dos obstáculos apontados por muitos professores para usar videoaulas é a dificuldade técnica. Esta seção irá te ajudar a começar a gravar suas videoaulas.

Para os iniciantes: não busque perfeição. Palavras de Incentivo.

Antes de começarmos, uma palavra de incentivo. Não se preocupe com a perfeição logo de cara. Se você decidir que só irá publicar videoaulas quando elas tiverem uma aparência profissional, há uma chance enorme de que você nunca as publique. Comece de maneira mais simples e seja paciente consigo mesmo. Especialmente neste momento em que precisaremos começar a usar essas ferramentas, é provável que não saiam perfeições logo da primeira vez. Você pode prescindir de uma pós-edição e precisar lançar logo a aula com vários defeitos de vídeo, pode não ter o microfone ideal e provavelmente irá ignorar vários dos detalhes de enquadramento que irei apresentar a seguir. Não se preocupe, com o tempo, você poderá aprimorá-las.

Planejamento

Tema e Objetivo

 Para começar, você precisa ter claro em mente (e, de preferência, no papel também) qual o seu objetivo para aquela videoaula. Defina muito bem que assunto será tratado e, se parecer que a aula ficará longa demais, quebre esse assunto em outros menores. Defina não só o conteúdo, mas também o que quer que seu aluno termine o vídeo sabendo. O ideal é pensar mais no que ele saberá fazer do que em que informações terá aprendido.

Duração

Recomendo fortemente que suas aulas online sejam mais curtas. O limite geralmente advogado é de menos de dez minutos, mas prefiro deixar isso a seu critério. Assuntos mais densos podem se alongar um pouco mais, vejo muitas aulas de 30 a 40 minutos; as minhas, em geral, têm cerca de 12.

Material

 Produza o seu material de apoio. Em geral, pelo menos para as minhas aulas, isso significa preparar os slides. Mas você pode precisar fazer anotações, escolher exercícios para resolver diante da turma, colecionar exemplos ou aplicações do que será demonstrado, buscar figuras na internet (veja a seção sobre direitos autorais abaixo) etc.

Fases da Execução

Como produzir as imagens?

  Com seu material pronto, você precisará apresentar sua aula. Há diversas formas de fazer isso. Hoje o Power Point (versões 2010 em diante) permite que você grave uma narração para cada slide e exporte isso no formato de um vídeo. A opção que eu uso é abrir meus slides em tela cheia e iniciar um programa de gravação da própria tela (no momento uso a versão gratuita do Screencast-o-Matic, veja um tutorial aqui). Dessa mesma maneira, mas usando um slide completamente em branco e a função “caneta” do Power Point, você pode fazer anotações na tela da mesma forma que faria num quadro branco. Escrever usando um mouse é uma tarefa difícil, mas facilita se você tiver periféricos especiais para isso, como uma mesa digitalizadora.

Aparecer ou não na videoaula

  Quanto mais forte o senso de comunidade de uma turma online, menor a chance dos estudantes desistirem da disciplina. Para isso, saber que existem pessoas do outro lado da tela, e não apenas avatares cibernéticos, é fundamental. Uma forma de fazer isso é incluir na sua aula aparições suas. Pode ser um trecho no início do vídeo em que apareça apenas o seu rosto, pode ser uma janela num canto da tela de onde você fala com os alunos. Aparecer na videoaula é uma forma de dar personalidade a ela e criar vínculo com seus alunos, além de ser mais agradável do que assistir slides acompanhados de uma voz vinda sabe-se lá de onde.

Como fazer o enquadramento?

  Cuide para que o enquadramento seja agradável, com a câmera posicionada na altura dos seus olhos. Prefira uma iluminação que venha em ângulo de cerca de 30° com a câmera (em vez de paralela à câmera), procure um enquadramento de torso (pegando do meio de peito para cima) a um enquadramento no estilo “talking heads”, em que só sua cabeça aparece. Também cuide do que também irá aparecer contigo no vídeo, o seu fundo não deve chamar mais a atenção do que sua aula.

Preciso comprar equipamentos de áudio e vídeo?

  As webcams dos laptops ou aquelas webcams que acoplamos a desktops costumam ter qualidade mais que suficiente para nossas aulas. É muito mais importante que a imagem do slide e o nosso som estejam claros do que a imagem do nosso rosto. Se for para investir num equipamento, invista em um microfone. Em geral, os que vêm nos laptops e webcams são de baixa qualidade. Fones de ouvido com microfone, inclusive esses que já vêm acompanhando os celulares, funcionam muito bem na maioria das vezes. Sua narração da aula precisa estar cristalina.

 Ingredientes para uma boa videoaula

Curta

  Não quero ser determinista com relação aos 6 a 10 minutos recomendados em geral, mas mantenha sua aula o mais curta possível. Na internet, é ainda mais fácil ter sua atenção desviada, vídeos mais curtos reduzem a chance de isso acontecer. Além disso, é mais fácil arrumar tempo na rotina para assistir 3 aulas de 15 minutos do que conseguir sentar focado por 45 minutos seguidos.

Objetiva

  Quando falo em aulas de 10 minutos, muitos professores se assustam. É mesmo pouco tempo, mas considere que primeiro você poderá editar gaguejadas, lapsos de memória e outros probleminhas técnicos. Segundo, você poderá quebrar uma aula longa em algumas mais curtas. Por fim, é fundamental que haja objetividade. Na videoaula, é importante ir direto ao ponto sem muitas historinhas, distrações ou piadas desnecessárias. Aulas objetivas são mais valorizadas pelos alunos, especialmente em educação a distância.

Ilustrada

Ser objetivo não significa deixar de ilustrar suas aulas. Ilustrar é importante tanto literalmente, usando fotografias ou desenhos sempre atentando aos direitos autorais, quanto figurativamente. Procure exemplos concretos da teoria que você está apresentando, mostre aplicações daquele conhecimento, inclua questões comentadas que abordam o tema da aula ou narre histórias que envolvam o assunto, tudo com moderação.

Dinâmica

   Você pode usar mudanças de slides ou de enquadramentos da câmera para dar dinamismo à imagem. Animações reforçam o que o professor está falando, por exemplo, tópicos e imagens podem aparecer à medida que são comentados nos slides. Você pode usar ferramentas de marca texto, sublinhar ou circular elementos do slide, apontar com a ferramenta “laser point”. Dar uma cadência maior à sua fala e mudar a entonação e ritmo também ajudam a prender sua audiência.

Pós-produção

  Você terminou de gravar a videoaula. Salve o arquivo num drive seguro mesmo sem edição. A seguir, você pode usar um editor de vídeo para aprimorar sua videoaula. Não se preocupe se isso for inviável agora. A vantagem da pós-produção é que esse pós pode estar até bem longe da produção e aproveitar dos primeiros semestres em que você usou o vídeo para direcionar sua edição.

  Em geral, nessa fase você irá limpar sua videoaula de imperfeições como erros, gaguejadas, uma moto, cachorro ou criança fazendo barulho no fundo. Também pode ser útil para incluir mais dinamismo às imagens, com alternância entre os slides e seu rosto. Existem muitos programas para editar vídeos, alguns dos mais usados no contexto das videoaulas são o CantasiaWindows Movie Maker e o OBS studio, este último gratuito.

  Pessoas mais habilidosas podem até criar vinhetas e banners em primeiro plano que informem o tema da aula, a disciplina ou subtemas que serão apresentados. Como sempre, não exagere nos efeitos e não se preocupe se sua aula não ficar com um visual muito profissional na primeira tentativa.

A questão dos direitos autorais

Muitos professores têm o mau hábito de usar materiais da internet sem deter os diretos de uso das imagens. Ao mesmo tempo em que somos super ciosos em coibir que nossos alunos cometam plágio em textos, nós mesmos nem sempre temos o mesmo cuidado com nossas imagens e vídeos nos slides que usamos. Ao contrário dos textos, apenas citar o autor da imagem nem sempre resolve. O ideal é utilizar imagens e vídeos com direitos autorais abertos. A modalidade mais comum desses recursos é a licença Creative Commons. Não vou detalhar as clausulas para uso desse recurso, que podem ser acessadas no link acima, mas em geral ela exige que você:

CC-BY: cite o autor da imagem;

CC-SA: permita que os outros compartilhem sua videoaula na mesma modalidade do material que você usou;

CC-NC: não use o material em videoaulas de cursos pagos, por exemplo.

Existem muitas formas de conseguir materiais online com licença de compartilhamento. O CEAD disponibilizou algumas opções de canais para acesso a imagens livres de direitos autorais aqui.

Avance passo a passo

Não é fácil abandonar nossas práticas didáticas mais tradicionais, mas seria muito bom se o único resultado dessa pandemia fosse a renúncia às aulas expositivas. Espero que você aproveite este período de profundas mudanças e encare, também, a mudança da sua forma de ensinar. Com sorte, as explicações acima te deixaram um pouco menos inseguro e você se sente confiante o suficiente para experimentar gravar suas primeiras videoaulas.

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