Profa. Dra. Maria Alexandra Militao Rodrigues
Faculdade de Educação da Universidade de Brasília
Volta às aulas. Retorno a quê e aonde, afinal? Ao início do semestre, que mal havia começado? A um espaço de convivência que acarreta riscos à vida, à sociedade? Mas como dar conta de nós mesmos, de nossas famílias, de nossos idosos, ou de nós, na condição de idoso, dos estudantes, do trabalho docente na Universidade de Brasília? Como conceber processos de ensino-aprendizagem não presenciais em momento de contingenciamento, em situação de isolamento social?
Podemos inventar soluções criativas, numa perspectiva de ensino remoto, que viabilizem a construção de uma ponte com os estudantes? Ela poderá envolver um ambiente virtual de ensino-aprendizagem (AVA), no Moodle, no qual possamos criar vários contextos para acolher, interagir, ensinar e aprender? E, mesmo não sendo especialistas em Educação a Distância, poderíamos aprender o uso de determinados recursos e estratégias para o ensino não presencial em tempos de pandemia?
Em relação à retomada gradual das atividades, como previsto pelo Comitê de Coordenação das Ações de Recuperação (CCAR), diante do documento intitulado Plano Geral para a Retomada das Atividades Acadêmicas, gostaria de fazer algumas ponderações mais relacionadas à comunicação educativa do que às metodologias e estratégias de ensino e aprendizagem propriamente ditas. Que essas ponderações possam, de alguma forma, inspirar o seu delineamento.
Não concebo uma retomada da comunicação educativa, na universidade, em que a experiência singular e coletiva, assim como o tempo psicológico vivido, o kairos dos gregos, sejam desconsiderados. Ignorar a realidade objetiva e subjetiva dos estudantes, as sensações que os atravessam neste momento crítico, a insegurança de jovens diante do presente e de um futuro incerto não me parece uma postura sensata. A vulnerabilidade gerada pela pandemia e pelo necessário isolamento social demanda uma postura de acolhimento e requer grande sensibilidade de todos nós, já que olhares e vozes não se cruzarão fisicamente ainda durante um algum tempo. É importante, então, pensarmos como as vozes singulares dos estudantes podem desaguar em uma voz coletiva (da qual também fazemos parte) que norteie um processo de comunicação educativa que faça sentido e promova bem-estar, tanto para os estudantes quanto para seus professores. Ignorar a pessoa do estudante e do professor e reduzi-los a seus papeis institucionais, desprezando suas condições pessoais como aprendizes e ensinantes, que todos somos, parece-me, neste momento, uma insanidade. Então, o que podemos considerar na retomada da convivência humana e pedagógica, supondo que ela ocorrerá, certamente, numa plataforma virtual, mediada pelas tecnologias da informação e da comunicação?
Compartilho algumas sementes de ideias, em forma de tópicos, na esperança de que essas possam contribuir para refletirmos acerca de possibilidades de comunicação educativa na UnB, em tempos de pandemia:
Criar um espaço de escuta coletiva acerca das condições reais dos estudantes: contexto social e psicológico (quais as condições socioeconômicas do estudante? Adoeceu ou perdeu alguém da família ou próximo com COVID?); condições materiais e acesso a recursos tecnológicos (a renda do agregado familiar foi fortemente afetada? Há dificuldade de acesso à internet, ou mais de um estudante em casa com atividades remotas, precisando passar muito tempo na frente de um computador compartilhado?). Fazer combinados com a turma, levando em consideração as possibilidades concretas dos estudantes, e ajudando-se mutuamente a desenvolver soluções não só tecnológicas que viabilizem a aprendizagem, sem gerar estresse.
Envolver o mais ativamente possível os estudantes em todo o processo de ensino-aprendizagem, na perspectiva de não fazer para, mas fazer com, investindo na construção de um processo coletivo e dialógico. Escutar e conversar acerca de suas indagações, curiosidades, hipóteses, saberes, dúvidas, dificuldades, angústias.
Desenvolver uma mensagem de boas-vindas, envolvendo um convite a uma tarefa de livre expressão dos estudantes, que poderia ser, por exemplo, uma carta ou um e-mail ao futuro, contando acerca deste tempo, do que experienciaram e sentiram durante o isolamento, o que significa para eles voltar a estudar durante a pandemia (o destinatário pode ser um abstrato futuro, daqui a 20 ou 100 anos, ou alguém inventado, talvez seus futuros netos). Ou, em alternativa, fazer um vídeo, escrever um poema, um miniconto ou uma crônica, criar uma música ou uma história em quadrinhos, ilustrando suas experiências, percepções e sentimentos relacionados ao tempo vivido. Essas criações poderiam ser postadas no fórum e os estudantes convidados a se comentarem mutuamente, iniciando a tessitura de redes de comunicação.
Quanto à postagem de conteúdos acadêmicos na plataforma Moodle, diversificar o máximo possível os materiais e suas linguagens: imagens, áudios, vídeos, filmes, textos escritos. Ao propor tarefas, usar uma linguagem acessível, motivadora, convidativa, além de dar instruções claras e ser flexível com prazos.
Criar fóruns para comunicação síncrona e assíncrona acerca de conteúdos e tarefas, tendo o cuidado de verificar a viabilidade de dias e de horários para comunicação síncrona. Incentivar regularmente a presença dos alunos no fórum. Propor outros formatos de encontro virtual acessíveis aos estudantes, indagando suas sugestões e possibilidades. Promover um clima de diálogo, fortalecendo o grupo.
Criar um espaço de convivência informal no ambiente virtual, possibilitando trocas criativas entre os estudantes, incluindo suas produções artísticas e de pessoas da sua comunidade (música, dança, artesanato, literatura, fotografia, etc). Convidar os estudantes para colaborar no gerenciamento desse espaço de convivência, em paralelo ao fórum e a outros espaços mais formais.
Motivar e incentivar os estudantes, dar suporte, incutir confiança em suas possibilidades de enfrentamento deste momento, assim como de aprendizagem. Que o ensino não esteja centrado nos meios (recursos tecnológicos), mas no processo de comunicação coletiva e dialógica, envolvendo ativamente os estudantes.
Assim como existe, por vezes, solidão e distância na educação presencial, é possível presença afetuosa em espaços virtuais de convivência. O conteúdo mais importante em educação são, certamente, as pessoas. Neste momento, não podemos nos ver, tocar, escutar, nos sentir ao vivo, mas podemos tentar promover um encontro entre o toque virtual e o toque sensível, diante da perspectiva de um coletivo que se ajuda a enfrentar esta crise planetária, fortalecendo redes de cooperação. Assim, recriaremos nosso modo de ser e de estar no mundo e na universidade, atentos às subjetividades, e aprendendo a construir, juntos, uma comunidade de aprendizagem mais humana, dialógica e solidária.